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PARIS – Em uma tarde recente, a Rue de Rivoli estava assim: ciclistas passando no farol vermelho em duas direções. Os motociclistas que fazem entregas atentos a seus celulares. Scooters elétricas avançando nas pistas. Pedestres desatentos e nervosos lutando como se estivessem em um videogame.
Sarah Famery, residente do bairro de Marais há 20 anos, se preparou para o tumulto. Ela olhou para a esquerda, depois para a direita, depois para a esquerda e para a direita novamente antes de se aventurar na faixa de pedestres, apenas para dar uma corrida feroz quando dois ciclistas chegaram a centímetros de tocá-la.
“É um caos!” disse Famery, sacudindo a mão para o enxame de bicicletas que desviaram os carros da Rue de Rivoli desde que ela foi transformada em uma pista de múltiplas vias para ciclistas no ano passado. “Os políticos querem fazer de Paris uma cidade ciclista, mas ninguém segue nenhuma regra. Está se tornando arriscado atravessar a rua!”
O caos na Rue de Rivoli – uma importante artéria do tráfego que se estende da Bastilha, passando pelo Louvre até a Praça da Concórdia – está acontecendo nas ruas de Paris enquanto as autoridades buscam uma meta ambiciosa de tornar a cidade uma capital europeia do ciclismo até 2024.
A prefeita Anne Hidalgo, que está fazendo campanha para a presidência da França, vem polindo suas credenciais como uma candidata socialista orientada ecologicamente. Ela ganhou admiradores e inimigos com um programa ousado para transformar a grande Paris na principal metrópole ambientalmente sustentável do mundo, recuperando vastas áreas da cidade de carros para parques, pedestres, além de fazer uma revolução ciclista como a que ocorreu em Copenhague, na Dinamarca.
Ela criou estradas ao longo do Sena livre de carros e no ano passado, durante os lockdowns devido ao coronavírus, supervisionou a criação de mais de 160 quilômetros de novas ciclovias. Ela planeja limitar os carros no coração da cidade em 2022, ao longo da metade da Margem Direita e através do Boulevard Saint Germain.
Os parisienses ouviram o apelo: um milhão de pessoas em uma metrópole de 10 milhões agora pedala diariamente. E Paris agora está entre as 10 melhores cidades do mundo para ciclistas.
Mas com o sucesso vieram as grandes dores do crescimento.
“É como se houvesse uma anarquia em Paris”, disse Jean-Conrad LeMaitre, um ex-banqueiro que saiu para um passeio recentemente pela Rue de Rivoli. “Precisamos reduzir a poluição e melhorar o meio ambiente. Mas todo mundo está apenas fazendo o que quer. Sem polícia, sem multas, sem treinamento e sem respeito. ”
Na Prefeitura, os encarregados pela transformação reconheceram a necessidade de soluções para as tensões que surgem e para os acidentes e até mortes decorrentes do vale-tudo nas ruas. A raiva pelo uso irresponsável de scooters elétricas em particular transbordou depois que uma mulher de 31 anos foi morta neste verão em um atropelamento seguido de fuga ao longo do Sena.
“Estamos no meio de uma nova era em que bicicletas e pedestres estão no centro de uma política de combate às mudanças climáticas”, disse David Belliard, vice-prefeito da área de transporte de Paris e encarregado pela supervisão da metamorfose. “Mas só recentemente as pessoas começaram a usar bicicletas em massa, e a adaptação levará tempo.”
Pedestres têm reclamado do descumprimento de regras e muitas pessoas questionam a prefeitura com relação a uma legislação. Foto: Dmitry Kostyukov/The New York Times
Belliard espera que os parisienses possam ser persuadidos a cumprir as leis, em parte adicionando mais policiais para distribuir multas de 135 euros (cerca de R$ 865) para ciclistas indisciplinados e ensinando crianças em idade escolar sobre segurança em relação às bicicletas. As scooters elétricas estão restritas a uma velocidade de 10 km/h em áreas lotadas e podem ser proibidas até o final de 2022 se o uso irresponsável não parar.
A cidade também planeja negociações com empresas de entrega como a Uber Eats, cujos entregadores são pagos por entrega e estão entre os maiores infratores quando se trata de burlar as regras de trânsito.
“Seu modelo econômico é parte do problema”, disse Belliard.
Provavelmente, o maior desafio é que Paris ainda não possui uma cultura de ciclismo enraizada.
O permanente sentido francês de “liberté” está nas ruas a qualquer hora, onde jovens e velhos parisienses caminham distraidamente em quase todas as ocasiões. Eles parecem ter levado aquele espírito livre para suas bicicletas.
“Na Dinamarca, que tem uma cultura de ciclismo de décadas, a mentalidade é: ‘Não vá se o sinal estiver vermelho’”, disse Christine Melchoir, uma dinamarquesa que mora em Paris há 30 anos e se desloca diariamente de bicicleta. “Mas, para um parisiense, a mentalidade é: ‘Vá!’”
Belliard, o vice-prefeito, disse que Paris logo revelará um projeto para melhorar a infraestrutura. Mas, por enquanto, o tumulto continua.
Em uma tarde recente, oito ciclistas passaram no farol vermelho em massa no Boulevard de Sébastopol, uma importante artéria norte-sul. Os pedestres cautelosos se encolheram até que um ousou tentar atravessar, quase causando um engavetamento.
De volta à Rue de Rivoli, os ciclistas desviaram para evitar os pedestres como no jogo da galinha atravessando a rua. “Atenção!” um ciclista com colete de segurança vermelho e óculos de proteção gritou com três mulheres que atravessavam o sinal vermelho, enquanto ele quase caiu na chuva.
Os ciclistas dizem que Paris não fez o suficiente para tornar o deslocamento de bicicleta seguro. Os acidentes de bicicleta aumentaram 35% no ano passado, em relação a 2019. Paris en Selle, uma organização de ciclismo, protestou pedindo segurança nas vias depois que vários ciclistas morreram em colisões com motoristas, incluindo, recentemente, um menino de 2 anos que estava na bicicleta com seu pai e foi morto perto do Louvre quando um caminhão virou na direção deles.
Um número pequeno, mas crescente de ciclistas, diz que estão nervosos demais para pedalar.
“Tenho medo de ser esmagado”, disse Paul Michel Casabelle, 44, supervisor da Maison de Danmark, um instituto cultural dinamarquês.
Em um domingo recente, Ingrid Juratowitch teve que conversar com sua filha Saskia em segurança no meio das ciclovias perto da estação de metrô Saint Paul enquanto segurava suas duas outras filhas jovens a uma distância segura da rua.
“Cuidado, há bicicletas vindo da esquerda e da direita”, disse Juratowitch, que mora em Paris há 14 anos.
Ela está cada vez mais relutante em deixar seus filhos caminharem para a escola por medo de ciclistas imprudentes.
“Há outro vindo”, disse Juratowitch. “Ok, agora você pode ir!
“De um ponto de vista ambiental, não queremos ver a cidade de volta aos carros”, disse Juratowitch. “Mas não é seguro. É como se bicicletas e pedestres não soubessem como conviver. ”
Sakia, 12, entrou na conversa.
“Não são as bicicletas; são os ciclistas,” ela disse. “Eles acham que as regras são para todos, menos para eles.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
The New York Times Licensing Group – Todos os direitos reservados.
Autoria do texto: Liz Alderman, The New York Times – Life/Style, O Estado de S.Paulo – 14 de dezembro de 2021
Foto: Dmitry Kostyukov/The New York Times