Em abril de 2013, o triatleta Pedro Nikolay fazia seu treino de bicicleta na zona sul do Rio de Janeiro quando um ônibus o atropelou e tirou sua vida. Era mais uma tragédia envolvendo um ciclista e a pergunta que veio na cabeça do grupo carioca de pedal foi “ninguém vai se mexer?” Quem conta é Raphael Pazos, também competidor de triathlon, que aproveitou a mobilização dos colegas e no dia seguinte procurou o prefeito Eduardo Paes para convencê-lo a criar a primeira Área de Proteção ao Ciclista de Competição (APCC). Por decreto municipal, dez dias depois era inaugurada a APCC Aterro do Flamengo – Circuito Pedro Nikolay.
“A gente não inventou a roda, fizemos onde já treinávamos, e isso eu falo para todos que me procuram para saber como criar uma APCC em sua cidade. Mas no começo não foi fácil, carros invadiam a pista mesmo bloqueada pela Guarda Municipal, começou de segunda a sexta mas tinha dia que ninguém ia treinar, aí adaptamos para terças e quintas das 4h às 5h30 da manhã, e para acabar com os assaltos acionamos a Polícia Militar, que passou a nos acompanhar seis meses depois”, conta Pazos, que também criou o Conselho de Segurança dos Ciclistas do Rio de Janeiro para representar a turma junto ao poder público.
O projeto vingou não apenas pela segurança que trouxe ao pessoal da bike, mas também pela contrapartida dada à sociedade. Os ciclistas viraram fiscais da prefeitura alertando sobre iluminação falha, buracos no asfalto e outros reparos da competência da administração municipal do Rio. A APCC também foi aberta para toda a população e não apenas para atletas de competição, o que forçou a criar regras em seu uso como a proibição de fones de ouvido e a obrigatoriedade de capacete e de luz frontal e traseira enquanto o sol não nasce.
“A Criação da APCC Aterro marca não somente minha introdução no Triathlon, onde pude me preparar com segurança para o campeonato estadual de 2015, como foi o início de uma grande amizade com pessoas incríveis como Raphael Pazos, Márcia Ferreira, Eduardo Durand e muitos outros amigos com quem compartilhamos os treinos de madrugada. Embora hoje não seja mais praticante de Triathlon, ainda frequento a APCC para rever os amigos e para os treinos de ciclismo para a melhora da capacidade aeróbica, já que essa condição é extremamente importante para a atividade que pratico hoje, o karatê”, conta Gustavo Alecrim, que participou desde o início da criação da APCC Aterro.
Se antes eram cerca de vinte ciclistas que treinavam no Aterro do Flamengo no meio de carros e ônibus, hoje em dia a APCC recebe cerca de 300 pessoas com as bicicletas mais diversas, da speed de competição à bike de passeio. Com isso, ressalta Raphael Pazos, muita gente deixa de correr o risco da violência do trânsito.
“Quando acordo de madrugada, sou muito grata não só por poder treinar, mas também por poder levar os meus alunos para treinar. Lembrando que, na minha época, se eu tivesse um espaço como esse eu não teria sido vítima de um acidente que quase tirou a minha vida, então eu só tenho que agradecer. Quando vejo outras APCCs aparecendo, e sendo a nossa como exemplo, eu fico extremamente feliz. Eu considero a APCC minha segunda casa porque, além de ser próxima, tenho essa facilidade de treinar com segurança levando em conta toda a situação do Rio de Janeiro, que é uma cidade grande, com muita facilidade de roubo e de atropelamentos”, declara Márcia Ferreira, treinadora de triathlon e uma das fundadoras da APCC Aterro.
E, sim, essa experiência que está completando 10 anos rendeu frutos. Em 2014, o que foi criado por decreto virou lei municipal e na sequência vieram outras quatro APCCs no Rio, todas homenageando ciclistas vítimas de atropelamento: Praia da Reserva (Circuito Guilherme Paiva – terças e quintas das 4h às 5h30), Porto (Circuito Marcos Hama – domingos e feriados das 6h às 8), Parque Madureira (Circuito Danilo Diver – terças e quintas das 4h às 5h30) e Parque Radical Deodoro (Circuito Ventania – quartas, sextas e feriados das 19h às 22h).
“Não sou ciclista de alto rendimento, sou pela mobilidade e coleciono relatos dos ciclistas que usam as APCCs, que trazem segurança, tranquilidade, disciplina, parceria com o poder público e principalmente diminuição de risco de sinistro e melhora significativa na performance do atleta. Muitos ciclistas relatam que mantêm a prática do esporte por terem oportunidade de acessar uma APCC, por isso, a cada ano esses espaços ganham mais notoriedade e são replicados em outras regiões”, declara Vivi Zampieri, cicloativista e criadora do Bike na Pista (@bikenapista) no Instagram, espaço para discutir bicicleta e mobilidade urbana.
As APCCs também estão ultrapassando os limites cariocas e se instalando em outras cidades como Fortaleza (CE) e Salvador (BA). Em São Paulo, onde a Aliança Bike em conjunto com outras instituições tenta emplacar o projeto, o processo ainda está emperrado. A dica de Raphael Pazos é desburocratizar e criar uma área de proteção via portaria. “Esse poder da operacionalização do trânsito não é da iniciativa privada, não é dos ciclistas. Se uma cidade quer ser realmente bike friendly e prezar pela integridade física dos ciclistas de competição, o poder público tem de se fazer presente, sim, é só vontade, é só querer.”
FONTE: ALIANÇA BIKE
Paulo Cabral
Paulo Cabral é jornalista formado pela Universidade de Brasília com anos de experiência em rádio, TV e revistas. Ciclista de passeio, acredita na bicicleta como forma de ocupação sustentável e democrática das cidades.